O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria nesta quarta-feira, 25, ao reconhecer que pacientes testemunhas de Jeová podem recusar tratamentos médicos que envolvam transfusões de sangue, com base em suas convicções religiosas.
Além disso, esses pacientes têm o direito de exigir do Poder Público o custeio de procedimentos específicos que não utilizem transfusões, desde que esses procedimentos estejam disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS) e não gerem custos desproporcionais ao governo.
Os ministros analisaram recursos que abordam a oferta de tratamentos médicos sem o uso de sangue e a possibilidade de recusa de terapias por pacientes da religião, caso não haja alternativas. A crença dos testemunhas de Jeová proíbe o recebimento de transfusões de sangue, com base em passagens bíblicas que enfatizam a abstenção dessa substância, a qual consideram representar a vida, levando-os a evitar seu uso em obediência a Deus.
Os processos discutidos tratam de especificidades no tratamento médico de membros dessa religião. Em um dos casos, relatado pelo ministro Gilmar Mendes, uma paciente de Alagoas, que necessitava de uma cirurgia de substituição de válvula aórtica pelo SUS, optou por não receber transfusões. No entanto, a Santa Casa de Misericórdia de Maceió condicionou a realização da cirurgia à assinatura de um termo de consentimento que permitisse transfusões, o que levou ao cancelamento do procedimento, já que a paciente se recusou a assinar. Após negativa em primeira e segunda instâncias, a Justiça alegou a falta de garantias de que o procedimento pudesse ser realizado sem riscos para a paciente.
No outro caso, sob relatoria do ministro Luís Roberto Barroso, um paciente do Amazonas buscou o direito de realizar uma cirurgia ortopédica em um hospital público sem transfusão de sangue. Nas instâncias inferiores, o Poder Público foi condenado a oferecer e custear o tratamento, assegurando o direito à saúde de forma compatível com as convicções religiosas do paciente.
Os representantes dos pacientes ressaltaram que o tratamento sem sangue é reconhecido pela Organização Mundial de Saúde e que o SUS já possui os equipamentos necessários para atender aqueles que se recusam a transfusões. Na sessão do dia 19, Barroso votou afirmando que as testemunhas de Jeová têm o direito de recusar transfusões em qualquer procedimento médico e que o Poder Público deve oferecer tratamentos alternativos dentro do SUS, desde que isso não implique ônus desproporcional. Ele destacou que, em casos de pacientes hipossuficientes, é razoável que o governo custeie despesas relacionadas ao deslocamento e permanência para realizar o procedimento.
O presidente do STF deixou claro que a recusa do tratamento deve ser feita por um paciente maior de idade e capaz, sendo sua vontade expressa livre de coação. A recusa deve ser manifestada previamente ao ato médico e pode ser alterada a qualquer momento. É imprescindível que o paciente receba informações completas sobre os riscos envolvidos no tratamento.
Gilmar Mendes, relator do segundo caso, concordou com Barroso e acrescentou que o médico não pode impor um procedimento que o paciente recusa. Mendes enfatizou a importância da autodeterminação e da liberdade de crença, afirmando que a manifestação livre e informada do paciente impede a atuação forçada dos profissionais de saúde, mesmo em situações de risco iminente de morte. Ele também observou que a atuação médica em respeito à decisão do paciente não deve ser considerada, a priori, como omissão de socorro, sendo necessário analisar cada caso individualmente.
A decisão do plenário terá repercussão geral, afetando 1.461 processos semelhantes que aguardam solução, e os relatores sugeriram textos de tese para orientar a atuação da Justiça em casos futuros.
Barroso propôs a seguinte tese:
“Testemunhas de Jeová, quando maiores e capazes, têm o direito de recusar o procedimento médico que envolva transfusão de sangue com base na autonomia individual e na liberdade religiosa.
Como consequência, em respeito ao direito à vida e à saúde, fazem jus aos procedimentos alternativos disponíveis no Sistema Único de Saúde, podendo, se necessário, recorrer a tratamento fora de seu domicílio.
A recusa de transfusão de sangue somente pode ser manifestada em relação ao próprio interessado, sem estender-se a terceiros, inclusive e notadamente filhos menores. Porém, havendo tratamento alternativo eficaz, conforme avaliação médica, os pais poderão optar por ele”.
Já Gilmar Mendes propôs a seguinte tese:
É permitido ao paciente, no gozo pleno de sua capacidade civil, recusar-se a submeter a tratamento de saúde por motivos religiosos. A recusa a tratamento de saúde por razões religiosas é condicionada à decisão inequívoca, livre, informada e esclarecida pelo paciente, inclusive quando veiculada por meio de diretiva antecipada de vontade.
É possível a realização de procedimento médico, disponibilizado a todos pelo Sistema Público de Saúde, com a interdição da realização de transfusão sanguínea ou outra medida excepcional, caso haja viabilidade técnico-científica de sucesso, anuência da equipe médica com a sua realização e decisão inequívoca, livre e informada, esclarecida do paciente”.