Na quinta-feira passada, a Câmara dos Deputados enviou um ofício ao governo federal solicitando a liberação de R$ 4,2 bilhões, originalmente previstos no Orçamento de 2024, mas bloqueados desde uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em agosto.
O documento, assinado por 17 líderes partidários, inclui R$ 180 milhões em “novas indicações”, sendo que 40% desse valor, ou R$ 73 milhões, é destinado ao estado de Alagoas, reduto eleitoral do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
De acordo com três líderes ouvidos pela reportagem, a iniciativa partiu de um pedido do deputado alagoano.
O ofício, que traz mudanças no destino das emendas, foi revelado pela revista Piauí e confirmado pelo GLOBO.
Após o recebimento do ofício, a Secretaria de Assuntos Jurídicos da Presidência da República (SAJ) deu respaldo jurídico à solicitação, afirmando que não havia irregularidades ou inconstitucionalidades no documento da Câmara.
O presidente da Câmara, Arthur Lira, optou por não comentar o caso. A Secretaria de Relações Institucionais, para a qual o ofício foi encaminhado, afirmou que todas as comunicações sobre a liberação de emendas são encaminhadas aos ministérios responsáveis pela execução dos recursos, ressaltando que a execução está em conformidade com a decisão do STF.
O ofício foi enviado no mesmo dia em que Lira determinou a suspensão das reuniões das comissões da Casa, com o objetivo de acelerar as pautas econômicas no plenário. Como resultado, segundo presidentes dos colegiados, as novas indicações não foram submetidas à aprovação dos grupos. Parlamentares criticaram a ação, alegando que ela viola regras recentemente aprovadas no Congresso para aumentar a transparência na execução das emendas, em um acordo com o ministro do STF, Flávio Dino.
A nova lei determina que os líderes de bancada apresentem propostas sobre a distribuição dos recursos das comissões, mas essas propostas devem ser aprovadas pelos colegiados em até 15 dias, o que não ocorreu no caso em questão. O presidente da Comissão de Integração Nacional e Desenvolvimento Regional, deputado José Rocha (União-BA), afirmou que recebeu as indicações diretamente do gabinete de Lira, mas optou por suspender o processo quando percebeu que as emendas favoreciam Alagoas. Rocha contou que, após sua decisão, foi pressionado por Lira e, posteriormente, o presidente da Câmara suspendeu as comissões.
O PSOL entrou com um mandado de segurança no STF, buscando impedir a liberação dos pagamentos. Glauber Braga (PSOL-RJ), presidente da Comissão de Legislação Participativa, afirmou que não foi consultado sobre a decisão. O ministro Flávio Dino, relator no STF de uma ação que questiona as emendas de comissão, também não comentou o assunto.
A retomada da liberação das emendas parlamentares pelo governo não deve encerrar o impasse sobre o pagamento dos recursos. Ministros do STF aguardam ser provocados sobre possíveis descumprimentos das regras que regem a distribuição de verbas para prefeituras e governos estaduais. Para que a Corte tome novas providências, é necessário que algum “agente externo”, como um partido, faça uma nova denúncia, como ocorreu com o PSOL.
A diretora de programas da Transparência Brasil, Marina Atoji, criticou a mudança nas indicações, afirmando que o modelo adotado pela Câmara é semelhante ao orçamento secreto, em que recursos eram destinados às bases eleitorais sem identificação dos responsáveis. Segundo ela, isso contraria a ordem do STF, que exige a identificação dos parlamentares responsáveis pelas emendas de comissão, além de esconder a autoria das emendas atrás de uma assinatura coletiva.
Para a SAJ, no entanto, o documento é legal, pois foi assinado por parlamentares que se identificaram como solicitantes das emendas. O parecer da SAJ argumenta ainda que a exigência de aprovação das emendas pelas comissões só se aplica a 2025.
Técnicos do STF, por sua vez, acreditam que a interpretação da SAJ é forçada, pois as decisões da Corte desde 2022 exigem transparência e rastreabilidade nas emendas, incluindo a identificação do autor de cada indicação e a deliberação pelas comissões. De acordo com as novas normas, parlamentares devem identificar o deputado ou senador responsável pela indicação em um sistema criado pelo Senado e em ofícios enviados pela Câmara.
Na semana passada, o governo iniciou os repasses das emendas após o STF ter bloqueado os recursos em agosto devido à falta de transparência. Na sexta-feira, o governo anunciou o pagamento de R$ 6 bilhões em emendas parlamentares, totalizando R$ 7,7 bilhões na semana, após o pagamento de R$ 1,7 bilhão na quinta-feira. Desses valores, R$ 3,2 bilhões foram transferências especiais, a chamada emenda Pix, que ficou bloqueada por mais de dois meses sob a determinação de Flávio Dino.
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