Em seu primeiro discurso, na Avenida Paulista, no Estado de São Paulo, acusou as instituições brasileiras de trabalharem para evitar a sua eleição e disse que enfrentou a “a máquina do Estado brasileiro, colocada a serviço do candidato da situação para tentar evitar que ganhássemos as eleições. Quero dar os parabéns às pessoas que votaram em mim. Considero-me um cidadão que teve um processo de ressurreição na política brasileira, porque tentaram me enterrar vivo. E estou aqui.”
Lula não mencionou a proteção e ajuda extrema que ele teve do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que calou e censurou adversários políticos e instituiu um estado policialesco. Com informações da Revista Oeste.
Ele também endossou as pautas da esquerda identitária. “É preciso ir além, fortalecer as políticas de combate à violência contra as mulheres e garantir que ganhem os mesmos salários que os homens no exercício da mesma função”, disse. “Enfrentar sem trégua o racismo, o preconceito e a discriminação, para que brancos, negros e indígenas tenham os mesmos direitos e as mesmas oportunidades.”
Reafirmou que os países genocidas voltaram a receber dinheiro público do suor do brasileiro: “Em minhas viagens internacionais, o que mais escuto é que o mundo sente saudade do Brasil”, observou. “Do Brasil que apoiou o desenvolvimento dos países africanos, por meio da cooperação, do investimento e da transferência de tecnologia. Que trabalhou pela integração da América Latina, da América do Sul e do Caribe. Que fortaleceu o Mercosul e ajudou a criar o G20, a Unasul e os BRICS.”
Confira na íntegra o primeiro discurso de Lula
“Não enfrentamos um adversário, um candidato. Enfrentamos a máquina do Estado brasileiro, colocada a serviço do candidato da situação para tentar evitar que ganhássemos as eleições. Quero dar os parabéns às pessoas que votaram em mim. Considero-me um cidadão que teve um processo de ressurreição na política brasileira, porque tentaram me enterrar vivo. E estou aqui.
Estou aqui para governar este país em uma situação muito difícil. Mas tenho fé em Deus que, com a ajuda do povo, vamos encontrar uma saída para que este país volte a viver democraticamente, harmonicamente. E que possamos, inclusive, restabelecer a paz entre as famílias, entre os divergentes, para que possamos construir o mundo que precisamos no Brasil.
Chegamos ao final de uma das mais importantes eleições de nossa história. Uma eleição que colocou frente a frente dois projetos opostos de país, e que hoje tem um único e grande vencedor: o povo brasileiro. Esta não é uma vitória minha nem do PT, nem dos partidos que me apoiaram nesta campanha. É a vitória de um mesmo movimento democrático, que se formou acima dos partidos políticos, dos interesses pessoais e das ideologias, para que a democracia saísse vencedora. Neste 30 de outubro histórico, a maioria do povo brasileiro deixou bem claro que deseja mais, e não menos, democracia. Deseja mais, e não menos, inclusão social e oportunidade para todos. Deseja mais, e não menos, respeito e entendimento entre os brasileiros. Deseja mais, e não menos, liberdade, igualdade, fraternidade em nosso país. O povo brasileiro mostrou hoje que deseja exercer mais que o direito sagrado de escolher quem irá governar sua vida. Ele quer participar ativamente das decisões do governo. O povo brasileiro mostrou hoje que deseja mais que o direito de apenas protestar que está com fome. Que não há emprego, que o salário é insuficiente para viver com dignidade. Que não tem acesso à saúde, à educação. Que falta um teto para viver e criar seus filhos com segurança. Que não há nenhuma perspectiva de futuro. O povo brasileiro quer viver bem, comer bem, morar bem. Quer emprego, salário justo, reajustado sempre acima da inflação. Quer ter saúde, educação, políticas públicas de qualidade. Quer liberdade religiosa, livros em vez de armas. Quer ir ao teatro, ver cinema e ter acesso a todos os bens culturais, porque a cultura alimenta a nossa alma. O povo brasileiro quer ter de volta a esperança.
É assim que entendo a democracia. Não apenas como uma palavra bonita que está escrita na lei, mas como algo palpável, que sentimos na pele e que podemos construir no dia a dia. Foi essa democracia, no sentido mais amplo do termo, que o povo brasileiro escolheu hoje nas urnas. Foi com essa democracia real, concreta, que assumimos um compromisso ao longo de toda a nossa campanha. E é essa democracia que iremos buscar construir a cada dia em nosso governo, com crescimento econômico, repartido entre toda a população, porque é assim que a economia deve funcionar: como um instrumento para melhorar a vida de todos, e não para perpetuar as desigualdades.
A roda da economia voltará a girar, com geração de empregos, valorização dos salários e renegociação das dívidas das famílias, que perderam seu poder de compra. A roda da economia voltará a girar, com os pobres fazendo parte do Orçamento, com o apoio aos pequenos e médios produtores rurais, responsáveis por 70% dos alimentos que chegam às nossas mesas. Com apoio aos micro e pequenos empreendedores, para que possam colocar seu extraordinário potencial criativo a serviço do desenvolvimento do país.
É preciso ir além, fortalecer as políticas de combate à violência contra as mulheres e garantir que ganhem os mesmos salários que os homens no exercício da mesma função. Enfrentar sem trégua o racismo, o preconceito e a discriminação, para que brancos, negros e indígenas tenham os mesmos direitos e as mesmas oportunidades. Só assim seremos capazes de construir um país de todos. Um Brasil igualitário, cuja prioridade seja as pessoas que mais precisam. Um Brasil com paz, democracia e oportunidade.
A partir de 1º de janeiro de 2023, vou governar para 215 milhões de brasileiros e brasileiras, e não apenas para aqueles que votaram em mim. Não existe dois Brasis. Somos um único país. Um único povo. Uma grande nação. Não interessa a ninguém viver numa família onde reina discórdia. É hora de unir de novo as famílias, refazer os laços de amizade rompidos pela propagação criminosa do ódio. Não interessa a ninguém viver em um país dividido e em permanente estado de guerra. Este país precisa de paz e de união, este povo não quer mais brigar. Este povo está cansado de enxergar no outro um inimigo a ser temido ou destruído. É hora de baixar as armas, que jamais deveriam ter sido empunhadas. Armas matam. E nós escolhemos a vida.
O desafio é imenso. É preciso reconstruir esse país em todas as suas dimensões: na política, na economia, na gestão pública, na harmonia constitucional, nas relações internacionais e, sobretudo, no cuidado com os mais necessitados. É preciso reconstruir a alma deste país, recuperar a generosidade, a solidariedade, o respeito às diferenças e o amor ao próximo. É preciso trazer de volta a alegria de sermos brasileiros e o orgulho que sempre tivemos do verde e amarelo e da bandeira de nosso país. Esse verde e amarelo e essa bandeira não pertencem a ninguém, a não ser ao povo brasileiro.
Nosso compromisso mais urgente é acabar com a fome outra vez. Não podemos aceitar como normal que milhões de homens, mulheres e crianças neste país não tenham o que comer nem consumam menos calorias e proteínas que o necessário. Se somos o terceiro maior produtor mundial de alimentos e o primeiro de proteína animal, se temos tecnologia e uma imensidão de terras agricultáveis, se somos capazes de exportar para o mundo inteiro, temos o dever de garantir que todo o brasileiro possa tomar café da manhã, almoçar e jantar todos os dias. Este será novamente o compromisso número 1 do meu governo. Não podemos aceitar como normal que famílias inteiras sejam obrigadas a dormir nas ruas, expostas ao frio, à chuva e à violência. Por isso, retomaremos o Minha Casa Minha Vida, com prioridade para as famílias de baixa renda, e trazer de volta os programas de inclusão, que retiraram 36 milhões de brasileiros da extrema pobreza. O Brasil não pode mais conviver com esse imenso fosso sem fundo, esse mundo de concreto e desigualdade que separa o Brasil em partes desiguais, que não se reconhecem. Esse país precisa se reconhecer, se reencontrar consigo mesmo. Para além de combater a extrema pobreza e a fome, vamos restabelecer o diálogo neste país. É preciso retomar o diálogo com o Legislativo, o Judiciário, sem tentativa de intervir, controlar, cooptar, mas buscando reconstruir a convivência harmoniosa e republicana entre os três Poderes. A normalidade democrática está consagrada na Constituição. É ela que estabelece os direitos e as obrigações de cada Poder, de cada instituição, das Forças Armadas e de cada um de nós. A Constituição rege a nossa existência coletiva. E ninguém, absolutamente ninguém, está acima dela. Ninguém tem o direito de ignorá-la ou de afrontá-la.
Também é mais que urgente retomar o diálogo entre o povo e o governo. Por isso, traremos de volta as conferências nacionais, para que os interessados elejam suas prioridades e apresentem ao governo sugestões de políticas públicas para cada área: educação, saúde, segurança, direitos das mulheres, igualdade racial, juventude, habitação, cultura e tentas outras. Vamos retomar o diálogo com os governadores e com os prefeitos, para definirmos juntos as obras prioritárias para cada população. E não interessa o partido ao qual pertence o governador ou o prefeito. Nosso compromisso será sempre com a melhoria da vida da população de cada Estado, de cada município deste país. Vamos também restabelecer o diálogo entre o governo, os empresários, os trabalhadores e a sociedade civil organizada, com a volta do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. Ou seja, as grandes decisões políticas que impactam a vida de 215 milhões de brasileiros não serão tomadas em sigilo, na calada da noite, mas, sim, após um amplo diálogo com a sociedade.
Acredito que os principais problemas do Brasil, do mundo, do seres humanos, possam ser resolvidos com diálogo, e não com força bruta. Que ninguém duvide da força da palavra quando se trata de buscar o entendimento e o bem comum.
Em minhas viagens internacionais e nos contatos que tenho mantido com líderes de diversos países, o que mais escuto é que o mundo sente saudade do Brasil. Saudade daquele Brasil soberano, que falava de igual para igual com os países mais ricos e poderosos. E que, ao mesmo tempo, contribuía para o desenvolvimento dos países mais pobres. O Brasil que apoiou o desenvolvimento dos países africanos, por meio de cooperação, investimento e transferência de tecnologia. Que trabalhou pela integração da América Latina, da América do Sul e do Caribe. Que fortaleceu o Mercosul e ajudou a criar o G20, a Unasul e os BRICS. Hoje, estamos dizendo ao mundo que o Brasil está de volta, que o Brasil é grande demais para ser relegado a esse tigre de papel que paira no mundo. Vamos reconquistar a credibilidade, a previsibilidade e a estabilidade do país, para que os investidores nacionais e estrangeiros retomem a confiança no Brasil. Para que deixem de enxergar nosso país como fonte de lucro imediato e predatório e passem a ser nossos parceiros na retomada do crescimento econômico, com inclusão social e sustentabilidade ambiental.
Queremos um comércio internacional mais justo, retomar nossas parcerias com os Estados Unidos e com a União Europeia — mas em novas bases. Não nos interessa acordos comerciais que condenem nosso país a eterno papel de exportador de commodities e de matéria-prima. Vamos reindustrializar o Brasil, investir na economia verde digital, apoiar a criatividade dos nossos empresários, dos empreendedores. Queremos exportar também inteligência e conhecimento. Vamos lutar novamente por uma nova governança global, com a inclusão de mais países no Conselho de Segurança da ONU e com o fim do direito a veto, que prejudica o equilíbrio entre as nações.
Estamos prontos para nos engajar outra vez no combate à fome e à desigualdade do mundo. E nos esforços para a promoção da paz entre os povos. O Brasil está pronto para retomar seu protagonismo na luta contra a crise climática, protegendo todos os nossos biomas, sobretudo a Floresta Amazônica. Em nosso governo, fomos capazes de reduzir em 80% o desmatamento da Amazônia, diminuindo de forma considerável a emissão de gases que provocam o aquecimento global. Agora, vamos lutar pelo desmatamento zero da Amazônia. O Brasil e o planeta precisam de uma Amazônia viva. Uma árvore em pé vale mais que toneladas de madeiras extraídas ilegalmente por aqueles que pensam apenas no lucro fácil, à custa da deterioração da terra. Um rio de águas límpidas vale muito mais que todo o ouro extraído à custa do mercúrio, que mata a fauna e coloca em risco a vida humana. Quando uma criança indígena morre, assassinada pela ganância dos predadores do meio ambiente, uma parte da humanidade morre com ela. Por isso, vamos retomar o monitoramento e a vigilância da Amazônia e combater toda e qualquer atividade ilegal, seja garimpo, seja mineração, seja extração de madeira, seja ocupação agropecuária indevida. Ao mesmo tempo, vamos promover o desenvolvimento sustentável das comunidades que vivem na Região Amazônica. Vamos provar, mais uma vez, que é possível gerar riqueza sem destruir o meio ambiente. Estamos abertos à cooperação internacional para preservar a Amazônia, seja em forma de investimento, seja em pesquisa científica. Mas sempre sob a liderança do Brasil, sem jamais renunciarmos à nossa soberania. Temos compromisso com os povos indígenas, com os demais povos da floresta e com a biodiversidade. Queremos a pacificação ambiental. Não nos interessa uma guerra pelo meio ambiente, mas estamos prontos para nos defender de qualquer ameaça.
O novo Brasil que iremos construir a partir de 1º de janeiro não interessa apenas ao povo brasileiro, mas a todas às pessoas que trabalham pela paz, pela solidariedade e pela fraternidade em qualquer parte do mundo. Na última quarta-feira, o papa Francisco enviou uma importante mensagem ao Brasil, orando para que o povo brasileiro se livre do ódio, da intolerância e da violência.
Quero dizer que desejamos o mesmo e vamos trabalhar sem distinção por um Brasil em que o amor prevaleça sobre o ódio, em que a verdade vença a mentira, em que a esperança seja maior que o medo. Todos os dias da minha vida, lembro-me do maior ensinamento de Jesus Cristo: o amor ao próximo. Por isso, acredito que a mais importante virtude de um bom governante será sempre o amor por seu país e por seu povo. No que depender de nós, não faltará amor neste país. Vamos cuidar com muito carinho do Brasil e do povo brasileiro. Viveremos um novo tempo, de paz, amor e esperança. Viveremos o tempo em que o povo brasileiro terá de novo o direito de sonhar e as oportunidades para realizar aquilo que sonha. Para isso, convido a cada brasileiro e a cada brasileira, independentemente do candidato em que votou nestas eleições. Mais do que nunca, vamos juntos pelo Brasil, olhando mais para aquilo que nos une do que para as nossas diferenças. Sei a magnitude da missão que a História me reservou. Sei que não poderei cumpri-la sozinho. Vou precisar de todos os partidos políticos, os trabalhadores, os empresários, os parlamentares, os governadores e os prefeitos — gente de todas as religiões, brasileiros e brasileiras que sonham com um Brasil mais desenvolvido, mais justo e mais fraterno. Volto a dizer aquilo que disse durante toda a campanha, aquilo que nunca foi uma simples promessa de candidato, mas, sim, uma profissão de fé, um compromisso de vida: o Brasil tem jeito. Todos juntos seremos capazes de consertar este país e construir um Brasil do tamanho dos nossos sonhos, com oportunidades para transformar a realidade. Mais uma vez, renovo minha eterna gratidão ao povo brasileiro. Nossa luta não começa nem termina com a eleição. Nossa luta pela conquista de um país justo, um país no qual todos os brasileiros possam comer, trabalhar, estudar, ter acesso à cultura e ao lazer, será uma luta até o fim de nossa vida. Não canso de dizer: não é a quantidade de anos que uma pessoa tem que a envelhece. O que envelhece uma pessoa é a falta de causa, a falta de motivação para a luta. E, por isso, determinei: o Brasil é minha causa. O povo é minha causa. E combater a miséria é a razão pela qual vou viver até o fim da minha vida.“