Lula acusa Trump de “chantagem tarifária” contra países do Brics

Em uma reunião virtual com líderes do Brics nesta segunda-feira (8), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que os países do bloco têm sido “vítimas de práticas comerciais injustificadas e ilegais” por parte dos Estados Unidos. A fala, cujo discurso foi divulgado pelo Palácio do Planalto, é uma crítica direta às sanções e tarifas promovidas pelo governo de Donald Trump.
“A chantagem tarifária está sendo normalizada como instrumento para conquista de mercados e para interferir em questões domésticas. A imposição de medidas extraterritoriais ameaça nossas instituições. Sanções secundárias restringem nossa liberdade de fortalecer o comércio com países amigos”, declarou Lula.

Segundo o presidente, os “pilares da ordem internacional criada em 1945”, após a Segunda Guerra Mundial, estão sendo “solapados de forma acelerada e irresponsável”. Ele também ressaltou que a Organização Mundial do Comércio (OMC) “está paralisada há anos”.

Em nota, o Palácio do Planalto informou que os membros do Brics “reafirmaram seu compromisso com a preservação e o fortalecimento do multilateralismo” e a necessidade de uma ordem internacional “mais justa, equilibrada e inclusiva”. A reunião também teve como objetivo discutir formas de ampliar a cooperação e o comércio entre os países do bloco.

Além de Lula, a Cúpula Virtual contou com a participação de líderes da China, Egito, Indonésia, Irã, Rússia, África do Sul, do príncipe herdeiro dos Emirados Árabes Unidos, do chanceler da Índia e do vice-ministro das Relações Exteriores da Etiópia.

Eis a íntegra do discurso de Lula:

Na Cúpula do Rio de Janeiro, mostramos que o BRICS é capaz de aportar soluções concretas para os dilemas enfrentados pela humanidade.
Aprovamos decisões importantes em matéria de mudança do clima, saúde global, governança da inteligência artificial e integração econômico-comercial.
Passados apenas dois meses, vivemos um momento de crescente instabilidade.
Está cada vez mais claro que a crise de governança não é uma questão conjuntural.
Os pilares da ordem internacional criada em 1945 estão sendo solapados de forma acelerada e irresponsável.
A Organização Mundial do Comércio está paralisada há anos.
Em poucas semanas, medidas unilaterais transformaram em letra morta princípios basilares do livre-comércio como as cláusulas de Nação Mais Favorecida e de Tratamento Nacional.
Agora assistimos ao enterro formal desses princípios.
Nossos países se tornaram vítimas de práticas comerciais injustificadas e ilegais.
A chantagem tarifária está sendo normalizada como instrumento para conquista de mercados e para interferir em questões domésticas.
A imposição de medidas extraterritoriais ameaça nossas instituições.
Sanções secundárias restringem nossa liberdade de fortalecer o comércio com países amigos.
Dividir para conquistar é a estratégia do unilateralismo.
Cabe ao BRICS mostrar que a cooperação supera qualquer forma de rivalidade.
Regras e normas mutuamente acordadas são essenciais para o desenvolvimento.
O comércio e a integração financeira entre nossos países oferecem opção segura para mitigar os efeitos do protecionismo.
Possuímos inúmeras complementaridades econômicas.
Juntos, representamos 40% do PIB global, 26% do comércio internacional e quase 50% da população mundial.
Temos entre nós grandes exportadores e consumidores de energia.
Reunimos as condições necessárias para promover uma industrialização verde, que gere emprego e renda em nossos países, sobretudo nos setores de alta tecnologia.
Reunimos 33% das terras agricultáveis e respondemos por 42% da produção agropecuária global.
O Banco do BRICS contribui de forma crescente na diversificação de nossas bases econômicas e na promoção de uma transição justa e soberana.
Temos, portanto, a legitimidade necessária para liderar a refundação do sistema multilateral de comércio em bases modernas, flexíveis e voltadas às nossas necessidades de desenvolvimento.
Para isso, precisamos chegar unidos na 14ª Conferência Ministerial da OMC no próximo ano, no Cameroun.
Caros amigos,
Quando o princípio da igualdade soberana dos estados deixa de ser observado, a ingerência em assuntos internos se torna prática comum.
A solução pacífica de controvérsias dá lugar a condutas belicosas.
Sem amparo no direito internacional, os fracassos vivenciados no Afeganistão, no Iraque, na Líbia e na Síria voltarão a se repetir.
No que se refere à Ucrânia, é preciso pavimentar caminhos para uma solução realista que respeite as legítimas preocupações de segurança de todas as partes.
O encontro no Alasca e seus desdobramentos em Washington são passos na direção correta para pôr fim a esse conflito.
A Iniciativa Africana e o Grupo de Amigos para a Paz, criado por China e Brasil, podem contribuir por meio da promoção do diálogo e da diplomacia.
A decisão de Israel de assumir o controle da Faixa de Gaza e a ameaça de anexação da Cisjordânia requer nossa mais firme condenação.
É urgente colocar fim ao genocídio em curso e suspender as ações militares nos Territórios Palestinos.
O Brasil decidiu entrar como parte na ação da África do Sul na Corte Internacional de Justiça.
Reiterar o compromisso com a Solução de Dois Estados estará no centro da atuação brasileira na Conferência de Alto Nível para a Solução Pacífica da Questão Palestina.
No vazio de tantas crises não solucionadas, o terrorismo continua a assombrar a humanidade. O Brasil repudiou o sequestro e assassinato de inocentes pelo Hamas, bem como os atentados na Caxemira.
Sabemos que o terrorismo não está associado a nenhuma religião ou nacionalidade.
Também não pode ser confundido com os desafios de segurança pública que muitos países enfrentam.
São fenômenos distintos e que não devem servir de desculpa para intervenções à margem do direito internacional.
A América Latina e o Caribe fizeram a opção, desde 1968, por se tornar livres de armas nucleares. Há quase 40 anos somos uma Zona de Paz e Cooperação.
A presença de forças armadas da maior potência do mundo no Mar do Caribe é fator de tensão incompatível com a vocação pacífica da região.
Caros amigos,
Em duas semanas, estaremos reunidos em Nova York para a 80ª Assembleia Geral das Nações Unidas.
Será oportunidade para falarmos com uma só voz em defesa de um multilateralismo revigorado.
Devemos avançar na ampliação do Conselho de Segurança, incorporando novos membros permanentes e não permanentes da América Latina, da África e da Ásia.
Outra lacuna central na arquitetura multilateral refere-se ao âmbito digital.
Sem uma governança democrática, projetos de dominação centrado em poucas empresas de alguns países vão se perpetuar.
Sem soberania digital, seremos vulneráveis à manipulação estrangeira.
Isso não significa fomentar um ambiente de isolacionismo tecnológico, mas fomentar a cooperação a partir de ecossistemas de base nacional, independentes e regulados.
O impacto do unilateralismo também é grave na esfera ambiental.
Os países em desenvolvimento são os mais impactados pela mudança do clima.
A COP30, em Belém, será o momento da verdade e da ciência.
Além de trabalhar pela descarbonização planejada da economia global, podemos utilizar os combustíveis fósseis para financiar a transição ecológica.
Precisamos de uma governança climática mais forte, capaz de exercer supervisão efetiva.
O Brasil convida seus parceiros do BRICS a considerar a criação de um Conselho de Mudança do Clima da ONU, que articule diferentes atores, processos e mecanismos que hoje se encontram fragmentados.
Chamo a atenção para o Fundo Florestas Tropicais para Sempre, que queremos lançar na COP30, com o objetivo de remunerar os serviços ecossistêmicos prestados ao planeta.
O Sul Global tem condições de propor outro paradigma de desenvolvimento e de refutar uma nova Guerra Fria.
A futura presidência indiana do BRICS contará com todo o apoio do Brasil para seguir na defesa desses ideais.
A Cúpula do G20, sob a presidência sul-africana, também será espaço para um diálogo abrangente sobre os possíveis caminhos para a ordem internacional.
O unilateralismo jamais conduzirá à realização dos propósitos de paz, justiça e prosperidade que nossos antecessores delinearam em 1945.
O BRICS já é o novo nome da defesa do multilateralismo.
Muito obrigado


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