Moraes consolida prisão preventiva como ‘método’ de investigação; entenda

Apurações que atingem o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seu entorno têm sido marcadas por prisões preventivas decretadas pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.

Desde 2020, Moraes já expediu pelo menos 64 ordens de prisão preventiva. O levantamento foi feito pelo jornal Folha de S.Paulo. O número de prisões preventivas até agora não inclui as detenções relacionadas aos atos do 8 de janeiro.

Neste mês, quatro militares e um policial federal foram presos preventivamente sob a suspeita de planejar um golpe de Estado que incluía o assassinato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e de Moraes, então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Além da suposta fraude no cartão de vacinação e do suposto plano golpista, as prisões preventivas contabilizadas incluem possíveis casos de ataques contra instituições e o uso político da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), conhecido como “Abin paralela”.

O Código de Processo Penal prevê que a prisão preventiva pode ser decretada durante uma investigação para garantir a ordem pública, assegurar a instrução criminal ou evitar a fuga do investigado, desde que haja indícios suficientes da autoria do crime.


Especialistas ouvidos pela Folha ressaltam que essa é a medida cautelar mais severa e deve ser usada apenas quando alternativas como proibição de contato com outros suspeitos ou restrição de circulação forem insuficientes.

A Procuradoria-Geral da República (PGR), por outro lado, tem apoiado as decisões de prisão preventiva em todos os inquéritos conduzidos por Moraes até o momento.

Presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), Renato Vieira afirma ao jornal que a prisão preventiva não pode ser vista como “antecipação da pena” e, para fazer uso do instrumento, é necessário observar a “contemporaneidade” dos motivos que levaram a ela — destacando que é uma medida excepcional.

Vieira afirma que é questionável, por exemplo, que se aplique o requisito na investigação sobre o suposto plano de golpe de 2022. “Agora a ordem pública está controlada”, diz.

Nas últimas cinco prisões relacionadas ao suposto golpe, a Polícia Federal argumentou que os suspeitos poderiam interferir nas investigações ou ameaçar a ordem pública devido ao “perfil e gravidade” de suas ações.

Os investigadores também destacaram que o grupo tentou apagar e criptografar documentos durante a tentativa de impedir a posse de Lula. Moraes aceitou os pedidos de prisão, sob a alegação de que a PF demonstrou a presença dos requisitos necessários.

Um dos detidos, o tenente-coronel Rafael Martins de Oliveira, já havia sido alvo de uma medida cautelar em fevereiro.

Outro caso emblemático é o do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, que teve duas prisões preventivas decretadas por Moraes. A primeira, em maio de 2023, foi motivada pela suspeita de fraude no cartão de vacinação, com indicação de risco de “reiteração criminosa” e obstrução da investigação pela PF.

Solto em setembro depois de firmar um acordo de delação premiada, Cid voltou a ser preso em 2024, devido à divulgação de áudios sobre sua colaboração com a Polícia Federal.

Em algumas situações, a prisão preventiva se estendeu por mais de um ano. O coronel da Polícia Militar do Distrito Federal Jorge Eduardo Naime Barreto, responsável pelo plano de segurança para evitar os atos do 8 de janeiro, ficou detido por 15 meses.

Silvinei Vasques, ex-diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal (PRF), também permaneceu preso preventivamente por um ano. Ele era investigado por supostamente utilizar a PRF para favorecer eleitores de Bolsonaro nas eleições de 2022. Ao revogar a prisão, Moraes argumentou que as razões iniciais para mantê-lo detido já não se aplicavam.

Prisões decretadas por Moraes deveriam seguir critérios rigorosos

Especialistas disseram à Folha que a prisão preventiva deve seguir critérios rigorosos. O advogado Enzo Fachini destaca que essa medida deve ser aplicada apenas quando há risco concreto de o investigado cometer novos crimes ou atrapalhar as investigações.

Acacio Miranda, doutor em Direito Constitucional e mestre em Direito Penal Internacional pela Universidade de Granada, avalia que decisões como essas têm sido influenciadas pelo “fator midiático” e pela “polarização”, ao adotar prisões preventivas. “Isso está acontecendo agora, mas vimos no Mensalão, na Lava Jato”, diz.

Renato Vieira, do IBCCrim, também manifestou preocupação com o uso da delação premiada “como abreviação das investigações” e forma de antecipar a soltura. “Não é um vício do Moraes, do Sergio Moro”, disse. “É uma patologia que vem de longa data.”

Outro efeito preocupante, segundo os especialistas, é que decisões do STF acabam influenciando juízes de instâncias inferiores. “Infelizmente, essas decisões midiáticas mais notórias acabam criando jurisprudência para que os juízes de piso se sintam estimulados a fazerem o mesmo”, afirma Miranda.

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