Quem é Tio Patinhas, líder do Comando Vermelho cuja esposa se reuniu com equipe de Flávio Dino

Clemilson dos Santos Farias é tido como um indivíduo de altíssima periculosidade. Sua esposa, apontada como braço-financeiro da facção Comando Vermelho, se reuniu com assessores de Flávio Dino em Brasília por duas vezes
Uma mulher adentra numa igreja evangélica Assembleia de Deus, em Manaus, e caminha pelo tapete vermelho sob fortes aplausos em direção ao marido, que aguarda em pé para recepcioná-la. São 18h30 do dia 11 de dezembro de 2022, um domingo. O casal se abraça e se beija. Em seguida, a mulher senta numa espécie de trono, é coroada pelo marido e recebe uma varinha… A cerimônia, no entanto, é interrompido por uma ação da Polícia Militar. Os agentes vão logo em direção ao homem, e um deles anuncia ao pastor o que foram fazer no local: “Estamos prendendo o maior traficante de Manaus”.

A cena poderia ser de um filme, mas não. O homem em questão é Clemilson dos Santos Farias, 45 anos, também conhecido como “Tio Patinhas”. Ele é um dos líderes do Comando Vermelho e, por anos, foi considerado o “número um” na lista de procurados do Amazonas. Condenado a 31 anos de reclusão por associação para o tráfico, lavagem de dinheiro e formação de organização criminosa.

Sua mulher, coroada por ele naquela noite evangélica, é Luciane Barbosa Farias, de 37 anos, a “dama do tráfico”. Apontada como o braço financeiro doComando Vermelhoe responsável por lavar o dinheiro da facção, foi condenada a 10 anos pelos mesmos crimes do marido. Mesmo assim, foi recebida duas vezes este ano por auxiliares do ministro da Justiça, Flávio Dino, em Brasília, conforme revelou oEstadãonesta segunda-feira, 13. O nome dela não consta da agenda oficial das autoridades.


O Ministério da Justiça admite que a “cidadã”, como se referem a Luciene, foi recebida por secretários do ministro Flávio Dino, mas afirma que ela integrou uma comitiva e era “impossível” o setor de inteligência detectar previamente a presença dela. Leia a nota na íntegra ao fim da matéria.


Em 19 de março, a “dama do tráfico amazonense” se reuniu com o secretário Nacional de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Elias Vaz. Mais de um mês depois, em 2 de maio, Luciane se encontrou com Rafael Velasco Brandani, titular da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen). Ela também teve audiências dentro da Pasta com Paula Cristina da Silva Godoy, titular da Ouvidoria Nacional de Serviços Penais (Onasp); e Sandro Abel Sousa Barradas, que é diretor de Inteligência Penitenciária da Senappen

Luciane se apresenta como presidente de uma ONG que, segundo o site da organização, atua em busca dos direitos fundamentais e humanos dos presos. Para a Polícia Civil do Amazonas, no entanto, a Associação Instituto Liberdade do Amazonas (ILA) vem recebendo dinheiro do Comando Vermelho e trabalha a favor dos faccionados.

Naquela noite de 11 de dezembro, Clemilson foi levado para fora da igreja após pedir aos policiais que não o prendessem na frente de suas duas filhas. A Polícia Militar apreendeu na operação ainda 235 kg deskunk(também chamada às vezes de “super maconha”) no fundo falso de uma van, munições calibre .36 e um RG falso.


Essa não foi, contudo, a primeira vez que o traficante foi preso. Isso já aconteceu em outras duas ocasiões: em maio de 2015, em Manaus, por porte ilegal de arma de fogo, e em junho de 2018, num apartamento de luxo em frente ao mar de Jaboatão dos Guararapes, área metropolitana de Recife, no âmbito de uma operação contra o Comando Vermelho.


Ele havia se mudado para Pernambuco após sofrer um atentado. Acredita-se que o assassinato tenha sido encomendado pela Família do Norte, facção rival do Comando Vermelho em Manaus.


Tio Patinhas é classificado pelo Ministério Público do Amazonas como um indivíduo de “altíssima periculosidade, com desprezo à vida alheia, ostentador de poder econômico do tráfico de drogas e não indulgente para com devedores”. O criminoso também tem um grande poderio militar, de acordo com relatório de inteligência policial, uma vez que suas ações seriam apoiadas pela cúpula do Comando Vermelho e pelo narcotraficante Gelson de Lima Carnaúba, condenado a mais de 190 anos de prisão por uma chacina no Amazonas. Clemilson já posou para foto ao lado de uma metralhadora antiaérea calibre .30, armamento com potência para abater aeronaves e atravessar veículos blindados.

A imprensa local do Amazonas também atribui a Clemilson o papel de mandante de uma série de assassinatos em Manaus. Na manhã de 23 de abril de 2019 um homem foi encontrado morto na zona leste de Manaus. De acordo com a imprensa local, o corpo estava enrolado com um fio elétrico em sacos e papelão e tinha um bilhete em cima com os seguintes dizeres: “Devia o Tio Patinhas”.


Clemilson também é apontado como o financiador de uma fuga de 35 presos do Centro de Detenção Provisória de Manaus (CDPM) em maio de 2018. Ele nega ambas as acusações.


Um trecho de um “relatório de investigação” de 2018 dá a dimensão da escala dos negócios de Tio Patinhas. Trata-se de uma transcrição de uma escuta feita pela polícia, na qual o traficante cobra que seus subordinados tenham mais zelo com as armas compradas por ele, uma vez que o investimento não foi pequeno.


“Vocês não sabem da onde saem essas armas, né? Vocês nunca compraram uma arma, é por isso que vocês não dão valor. Eu gastei foi mais de R$ 100 mil com negócio de arma aí, entendeu? E vocês perderam fácil isso aí. Aí quando cai na cadeia: ‘ah, o Tio me abandonou’. Me abandonou é o caralho, vocês não trabalham de graça pra mim não, todos ganham o de vocês aí, então tem que guardar, entendeu?”, diz Clemilson.

O excerto acima é parte do inquérito que investiga o assassinato de Adriana Monteiro da Cruz, morta no bairro Novo Aleixo em Manaus, em 2017, aos 39 anos. Tio Patinhas teria sido o mandante, segundo a acusação. Adriana foi morta a tiros enquanto ela se preparava para fechar a barraca de churrasquinho em que trabalhava, num sábado à noite. O pior: ela teria sido assassinada por engano.


O verdadeiro alvo seria a irmã dela, Simone, casada com um dos líderes da facção Família do Norte (FDN), rival do Comando Vermelho. Patinhas nega a autoria, e os outros três acusados já estão mortos. O caso ainda não teve um desfecho, mas em 30 de junho passado Patinhas recebeu a chamada “sentença de pronúncia” – isto é, a Justiça entendeu que há elementos suficientes para levar o caso ao Tribunal do Júri.

FONTE: Estadão


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